fonte: Veja

De local inóspito a ambiente acolhedor. Essa é a mudança que os hospitais de primeira linha do país têm instituído com a implementação do atendimento humanizado em suas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).

A mais recente e extraordinária novidade nesse cenário vem do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. A instituição acaba de inaugurar um espaço com características até pouco tempo inimagináveis para uma área que abriga pacientes em estado grave. Alguns exemplos: quartos espaçosos, banheiros individuais, janelas amplas que permitem a entrada da luz natural, apoio psicológico em tempo integral para os doentes de seus familiares — independentemente de o serviço ter sido solicitado ou não e a permissão da presença de parentes a qualquer hora do dia e da noite.

“Tratam-se de medidas aparentemente simples, mas é exatamente o contrário. Elas são capazes de causar um efeito brutal na recuperação e no bem-estar do paciente”, afirma Roberto Kalil, diretor geral do Centro de Cardiologia.

Tome-se como exemplo a presença da luz natural nos quartos. Os pacientes em estado grave costumam ter dificuldade de saber se é dia ou noite no quarto de uma UTI. “Essa situação pode deflagrar uma série de problemas psicológicos, como depressão”, explica Fabio Jatene, membro da comissão diretora do centro de cardiologia e responsável pela área cirúrgica do centro de cardiologia do Hospital Sírio-libanês.

A médica intensivista Ludmila Hajjar, chefe da terapia intensiva do Instituto do Coração (InCor) e fundadora da UTI Cardiológica do Sírio, complementa: “Lido com centenas de pacientes em estado gravíssimo e vejo na prática que o atendimento humanizado é tão importante quanto as mais altas tecnologias no prognóstico do paciente.”

O Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, foi uma das instituições pioneiras a apostar nessa mudança. O hospital chegou ao refinamento de disponibilizar apoio espiritual aos pacientes e familiares em sua UTI.

“A abordagem da humanização, que foca corpo, mente e espírito é fundamental para o processo de cura”, complementa Rita Grotto, gerente de serviço de atendimento ao cliente e responsável pelas ações de humanização do Hospital Albert Einstein.

Os hospitais Oswaldo Cruz e Beneficência Portuguesa, em São Paulo, também adotaram o atendimento humanizado na UTI. As instituições organizam  comemorações de aniversários dos pacientes e datas especiais nos quartos nas UTIs e a visita de músicos.  Os quartos podem ter fotos e recados.

Uma das grandes dificuldades enfrentadas durante o processo da humanização das UTIs é a sensibilização da equipe de médicos e enfermeiros. “Humanização é trazer o paciente mais próximo de sua realidade no dia a dia. Realmente ainda há uma resistência natural da equipe em relação à execução do trabalho intenso, principalmente em relação à presença integral dos familiares”, diz Viviane Veiga, neurointensivista da Beneficência Portuguesa de São Paulo. “Mas isso já está acabando.”

Humanização das UTIs

A humanização está na história da medicina desde os primórdios. Para o grego Hipócrates, considerado o pai da medicina, “as doenças não são consideradas fatores isolados e um problema especial, mas do homem vítima da enfermidade, com toda a natureza que o rodeia, com todas as leis universais que a regem e com a qualidade individual dele, que [o médico] se fixa com segura visão”.

Felizmente, nos últimos 20 anos, o conceito de humanização ganhou força na medicina. Médicos, profissionais e instituições de saúde começaram a entender a importância de manter uma relação próxima e humana com o paciente e seus familiares. Tanto que, em 2001, o Ministério da Saúde lançou o Programa Nacional de Humanização da Assistência Nacional de Saúde (PNHAH), que tem como objetivo promover uma nova cultura de atendimento à saúde.

Um dos pontos desse programa é justamente a humanização das Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs). A UTI é um dos espaços de maior complexidade e com uma das maiores concentrações de tecnologia de ponta em um hospital. E, portanto, em que há o maior risco de acontecer a desumanização de pacientes e familiares. As pessoas internadas nessas unidades frequentemente passaram por traumas que demandam cuidados intensivos e especiais, mas acima de tudo, precisam de apoio e acolhimento para se recuperar.

Um estudo americano publicado recentemente revelou que as reclamações mais comuns de pacientes em hospitais são: privação do sono, barulho, perda de itens pessoais, falta de comunicação, sentirem-se mal informados sobre seus próprios cuidados, falta de orientação sobre o quarto e o hospital. Estes e outros fatores, como a ausência da família e a falta de luz natural tornam o hospital um ambiente estressante, o que pode prejudicar a recuperação de pacientes críticos e é justamente isso que a humanização busca evitar.